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Segunda-feira, 18 de abril de 2005 09h48
Mandioca rica em proteína dispensa mudança genética
REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo

Duas novas variedades de mandioca, que estão sendo aperfeiçoadas por pesquisadores da UnB (Universidade de Brasília), podem ajudar a acabar com a fama da planta de alimento pobre em nutrientes. Uma delas tem tanta proteína quanto o milho ou o trigo, enquanto a outra produz boas quantidades de substâncias precursoras da vitamina A.

É bom deixar claro que nenhuma das mandiocas turbinadas é transgênica: ambas ganharam seus traços especiais de forma não muito diferente do que acontece desde que a humanidade inventou a agricultura, há cerca de 10 mil anos.

O diferencial dos pesquisadores, liderados pelo agrônomo egípcio Nagib Nassar, 67, foi um conhecimento apurado das muitas variedades selvagens e tradicionais da planta, bem como alguns truques da genética moderna para unir as qualidades mais rústicas desse tipo de mandioca às já testadas e aprovadas da planta vendida no supermercado.

Nassar, radicado no Brasil há 30 anos, explica que o país tem uma vantagem difícil de igualar em termos de melhoramento de mandioca: como o tubérculo provavelmente foi domesticado aqui, todos os seus parentes selvagens, que representam uma imensa fonte de diversidade genética, são facilmente encontráveis na natureza, em especial na Amazônia.

"Para dar uma idéia, há diferenças enormes entre as espécies: algumas chegam a dez metros de altura, enquanto outras são anãs", explica o pesquisador. Todas, no entanto, pertencem ao gênero Manihot (a doméstica tem como nome completo M. esculenta).

Anã protéica

Foi justamente com uma forma anã que Nassar e seus colegas deram os primeiros passos para criar uma versão mais rica em proteína. Ao detectar uma espécie promissora nessa sentido, a M. oligantha, o agrônomo promoveu seu cruzamento com a mandioca doméstica.

"O mais interessante é que, ao contrário do que acontece muitas vezes, o híbrido se mostrou fértil diretamente [o esperado seria que essa primeira geração fosse estéril]", conta Nassar.

"Por isso, eu suponho que já se tratasse de um híbrido, uma forma intermediária que pode ter sido favorecida pela seleção natural", explica.

Nessa primeira geração, criada nos anos 1980, a equipe já obteve uma planta com raízes grandes e abundantes e 4% de teor protéico --o normal é que a mandioca tenha menos de 2%.

Selecionando as plantas mais promissoras e cruzando-as de novo entre si, a equipe de Nagib conseguiu produzir recentemente uma segunda geração. "Mal deu para acreditar ela alcançou 7,5% de proteína", diz o agrônomo.

O feito iguala a planta ao milho e ao trigo em termos protéicos, o que poderia tanto melhorar a dieta das populações pobres do Norte e Nordeste, para quem o tubérculo é a base da alimentação, quanto diminuir os gastos brasileiros com importação de trigo, incorporando farinha de mandioca aos pães.

Mas o Santo Graal do melhoramento genético de mandioca é uma variedade com carotenóides --substâncias que o organismo transforma em vitamina A e cuja falta nos alimentos causa cegueira infantil em milhões de crianças dos países pobres.

Nassar, sem saber, deu de cara com essa possibilidade ao receber de presente algumas mandiocas de agricultores do Distrito Federal. "Eles me disseram que as tinham obtido de índios do Paraná, e elogiaram muito a cor e o sabor delas", diz.

Melhor que o arroz

O amarelo forte que as raízes ganharam depois de cozidas era uma indicação da presença de carotenóides, e Nassar resolveu tirar a prova com análises químicas. O resultado, 2,5 miligramas de carotenóide por quilo, é melhor que o desempenho do arroz dourado, um transgênico desenvolvido por um cientista suíço para combater a deficiência de vitamina A.

Nassar calcula que o consumo diário de meio quilo da variedade indígena seria suficiente para resolver o problema. E, de quebra, ela parece ser mesmo saborosa: "O reitor [da UnB] experimentou a mandioca e comentou que eu não era árabe de verdade. Se fosse, já ia estar querendo vender a planta", brinca o cientista, sem se preocupar com o estereótipo.

Por enquanto, Nassar e seus colegas estão se dedicando a tornar as variedades mais produtivas e viáveis. Uma das técnicas é aumentar o número de cromossomos do vegetal. Essas estruturas enoveladas armazenam o DNA e, na maioria dos organismos complexos, vêm em duas cópias, uma herdada do pai e a outra da mãe --daí o nome de diplóide dado a esses organismos.

Mas vegetais domésticos podem ser tetraplóides (ou seja, abrigarem quatro conjuntos de cromossomos), algo que, explica Nassar, melhora diversos parâmetros fisiológicos da planta. Essa característica já foi obtida com sucesso na variedade indígena.

O estudo sobre a mandioca rica em carotenóides foi submetido à revista científica "Journal of Food, Agriculture and Environment" para publicação. Nassar diz acreditar que os trabalhos posteriores de melhoramento possibilitarão que ambas as variedades estejam prontas para o cultivo em um ou dois anos.

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